No relógio lia-se três horas da manhã e Roberval já queria fechar o bar. Restava apenas Jorge sentado no balcão, e como ele era sempre o último a sair, o garçom resolveu carinhosamente jogar o bêbado para fora. Ao bater no chão, Jorge lembrou que tinha uma casa para voltar. Cambaleava e usava as paredes para andar, até que passou em frente a um moço de vestes pretas, que lhe fez uma pergunta.
- O senhor deseja ficar sóbrio?
Acreditando que era um desses infernais vendedores de rua, Jorge o ignorou, mesmo porque no estado que estava não conseguiria responder nada ao homem. Este levantou a mão sobre a cabeça e agitou-a, fazendo evaporar todo álcool que existia no corpo de Jorge, que repentinamente sóbrio se perguntou como raios tinha ficado sóbrio, e sem vestígios de ressaca. O homem de preto se aproximou, dizendo:
- Você, meu amigo, é um homem de sorte. Assim como sou capaz de curar os males da sua bebedeira, sou capaz de lhe dar o que quiser!
- O que eu quiser?! Disse Jorge, agora mais interessada do que quando lhe ofereceram a cura para a noitada.
- O que você quiser Jorge! Qual o seu maior sonho? Perguntava o moço, abraçando o homem interessado.
- Sempre quis dirigir uma BMW, dizia o ex-bebum com brilho nos olhos.
- Você pode ter uma BMW – o homem anônimo dizia, abrindo um sorriso- desde que eu ganhe sua vida.
- Minha vida?! Mas, se eu trocar minha vida por um veiculo, como raios eu vou dirigir?
- Não, rapaz. Uma aposta! Você ganha e leva o carro. Você perde, eu levo seu corpo.
- Sei não, disse Jorge, pensativo. Não vi o Alladin fazer aposta nenhuma pra ganhar aquele tapete.
- Eu não sou um gênio, sou um diabo, imbecil! – disse o homem, já quase soltando fogo pelas ventas- E ai, vai apostar ou não?
Jorge pensou, até topar, desde que ele escolhesse o jogo que fariam a aposta. O tinhoso aceitou e Jorge escolheu uma partida de truco. Da escuridão surgiu uma mesa com duas cadeiras, um baralho e amendoim pra tira-gosto. ”Coisa fina” dizia Jorge enquanto embaralhava e começava a fazer algumas perguntas.
- Ué, seu moço, sendo o Diabo, você não devia ter chifres e barba?
- Ora, Jorge, num dá pra andar assim na rua. As pessoas teriam medo, e eu nunca conseguiria falar com elas. Mas, sempre que posso, vou a convenções de tatuagem e em shows do Ac/Dc, onde me aceitam como eu sou.
- Ac/Dc? Você é fã deles?- Jorge, enquanto entregava as cartas.
- Velhos conhecidos. Apostaram comigo uma vez, numa competição de vira-copos. Ganharam, dei a fama que eles pediram, mas, continuamos amigos. É truco, pato!
- Eu corro, disse Jorge. E porque essas apostas?
- Roubar corpos é algo sem graça, respondeu o capeta. Divirto-me um pouco com esses jogos. Agora, vamos falar de você, Jorge.
Jorge começou a contar sobre sua vida, enquanto jogavam.
- Bem, senhor Belzebu, eu sou casado há vinte anos, e é um inferno. Sem ofensas!
- Sem problemas, se casamento fosse algo bom, Deus não seria solteiro.
- Pois é, rapaz. Sou torcedor fanático da Francana, que esta na terceira divisão do campeonato paulista a séculos. Tenho filhos adolescentes, uma garota de quinze anos que esta grávida, e um garoto que alisa os cabelos, passa maquiagem e jura que não é gay.
- Ah, no inferno esta cheio desses garotos. Contratei-os para fazerem a trilha sonora de lá, mas, o Todo Poderoso falou pra parar com a tortura pesada.
- Então! E pra completar, trabalho doze horas por dia e ganho seiscentos reais!- parou por um instante e bateu na mesa. Truco, ladrão!
- Espera um pouco, disse o demônio. Você é casado, tem filhos adolescentes, torce pra um time de terceira divisão e ainda por cima é pobre?
Jorge confirmou com a cabeça.
- Ah, eu desisto. – disse o diabo, jogando fora as cartas- Poderia ganhar sua vida, mas, não há nada que eu me interesse.
E jogou as chaves para Jorge. Surgiu então um carro preto, esportivo, de ultimo ano. Jorge correu até a porta, ligou o carro e ouviu o ronco do motor. Antes de partiu, escutou uma voz.
- Jorge, espere!
E o diabo estalou os dedos. Jorge morreu naquela hora. A criatura de preto foi até o carro e possuiu o corpo ainda quente.
- É, eu me interesso pelo seu carro, Jorge, disse o demônio, enquanto sumia pelas sombras.
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